Há exatos 30 anos morria Tancredo Neves

Antônio Assis
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Comoção no país foi grande após a morte de Tancredo. Os brasileiros foram às ruas para se despedir do político. Foto: Adauto Cruz/CB/D.A Press

Estado de Minas

Aquela foi anunciada e prometida como uma cirurgia de rápida recuperação que, no máximo, adiaria a posse do primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura militar, marcada para 15 de março de 1985. Mas um erro de diagnóstico de apendicite supurada e uma operação de emergência desnecessária provocaram danos ao paciente. Começava ali um drama que teria como desfecho a morte de Tancredo Neves em 21 de abril de 1985. “Ele poderia ter tomado posse”, afirma o historiador e pesquisador médico Luis Mir, autor da obra O paciente. Trata-se de estudo único do caso, que durou 25 anos, respaldado em entrevistas com 42 médicos envolvidos, prontuários, diagnósticos, exames, cirurgias, procedimentos, rotinas e condutas operatórias, e a evolução até o óbito de Tancredo. Trinta anos depois, ainda há lacunas: ninguém foi responsabilizado e paira o silêncio em torno do caso. “Vamos requerer a reabertura ao Conselho Federal de Medicina e aos conselhos regionais de São Paulo e do Distrito Federal. A sociedade tem o direito de conhecer os processos éticos e disciplinares das sindicâncias anunciadas à época”, diz Mir. Esse requerimento deve ser feito nesta semana.

Uma empreitada nada fácil. Até hoje foram frustradas as tentativas de acesso, inclusive da família de Tancredo, aos documentos.

Agonia
A agonia de Tancredo se iniciou na noite de 14 de março de 1985, véspera de sua posse na Presidência da República. Ele sentia fortes dores abdominais, não constatadas em exame de rotina feito um dia antes pelo clínico Renault Ribeiro e o cirurgião Francisco Pinheiro Rocha. Já no Hospital de Base de Brasília, após novos exames e com o hemograma à mão, Rocha comunicou à família que era necessário operar o presidente imediatamente.

Insistindo no diagnóstico de apendicite supurada, os médicos convenceram a família que a cirurgia e a recuperação seriam rápidas e, em 24 horas, ele estaria em condições físicas de tomar posse. “O que nos foi informado, o clima, era da urgência de realização de uma cirurgia que seria simples”, conta Aécio Neves, neto e secretário particular de Tancredo.

Em meio a confusões, houve desencontros e disputas dentro da equipe médica. Na antessala do centro cirúrgico, uma plateia de parlamentares-médicos e ministros de Estado nomeados aguardava. “A certa altura, houve a possibilidade de invasão da sala de cirurgia até por médicos do próprio Hospital de Base. Era impossível impedir a entrada das pessoas. Entre médicos e não médicos, chegaram a circular dentro da sala de cirurgia cerca de 60 pessoas”, descreve o pesquisador.

Quando no dia 15 de março os médicos abriram o peritônio de Tancredo Neves, não acharam um “apêndice supurado” indicado pelo diagnóstico inicial. “Não havia infecção, nem risco de morte”, diz o pesquisador Luis Mir. Diferentemente, foi encontrado um leiomioma infectado, que não representava risco de morte.

Apesar disso, Francisco Rocha, que conduziu a operação, manteve o curso do procedimento cirúrgico adequado para divertículo. O tumor que o cirurgião acreditou ser “divertículo” foi removido com uma técnica considerada inadequada para o leiomioma. “Quando utilizada nesses casos, é grande a probabilidade de o paciente sangrar. Foi o que aconteceu”, explica Mir. A sutura malfeita viria a provocar sangramento desde o primeiro momento.

Outros procedimentos também prejudicaram o paciente. Segundo Mir, a anestesia foi programada para um tempo de operação curto. Só que se prolongou e foi necessária mais anestesia. “Com a retirada abrupta da ventilação mecânica, o pulmão do presidente foi encharcado por excesso de líquidos, provocando uma atelectasia (colapso de parte ou de todo o pulmão)”. Os danos evoluiriam para o quadro irreversível de pulmão de choque, o que leva à parada do coração.

Em 20 de março, a segunda cirurgia. Nela já estava presente Walter Pinotti, do Instituto do Coração (Incor). “Foi uma laparotomia branca, com o diagnóstico equivocado de obstrução do intestino. Ao mesmo tempo, o sangramento da sutura da primeira operação acabaria em hemorragia catastrófica”, diz Mir.

Em 25 de março, o presidente teve uma nova hemorragia, desta vez maciça. “Ele evacuou cerca de 3 litros de sangue vivo em menos de 12 horas”, conta Mir. Em 12 de abril, o primeiro presidente civil pós ditadura militar foi sedado definitivamente e se tornou um paciente terminal. Nove dias depois, o assessor de imprensa, Antonio Britto, anunciou ao país a morte de Tancredo.

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