O DONO DA OCA - SEBASTIÃO NERY

Antônio Assis
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Juruna com seu gravador, dando entrevista

Juruna, o selvagem cacique xavante que até os 18 anos flechava avião voando baixo em Barra do Garças,estava comovendo o país, de gravador na mão, provando que em Brasília “governo de branco mente”.

Juruna ficou indignado com o representante da Funai em Mato Grosso, que o enganou, e contou a um pastor que ia matá-lo e fugir para o Paraguai. O pastor ligou para Darcy Ribeiro, que sugeriu que levasse Juruna urgente para o Rio. E pediu a Lysaneas Maciel e a mim para recebermos o cacique no Galeão.

Fomos e o levamos para o apartamento de Brizola, em Copacabana, onde Brizola e Darcy nos esperavam. Juruna entrou e ficou em pé, com aquele tamanhão, o cabelo tosado, calado… Darcy convidou-o a sentar-se. Juruna não se sentou e ficou olhando solene para Brizola.

Darcy disse a Brizola que ele não se sentou porque esperava uma ordem do dono da casa. Brizola falou, ele sentou-se. Brizola pensou em lançá-lo para o Senado, lançou para deputado, elegeu-se e foi tragado pela visceral corrupção política do “homem branco”.

Quando saímos do apartamento de Brizola para levar Juruna a um pequeno hotel em Copacabana, perguntei ao cacique porque ele não se sentou ao chegar à casa de Brizola.

– É a lei.

E nada mais disse. Pela lei do índio quem manda é o dono da oca.

SUPREMO

No Brasil, nos países democráticos, a “oca” é o Supremo Tribunal. O STF é a lei. Até chegar a ele, a sociedade tem numerosos degraus legais: delegados, procuradores, juízes, tribunais intermediários. Mas só o Supremo manda sentar-se e levantar-se, dá a palavra final.

Aquelas 11 togas ali sentadas é que abençoam ou amaldiçoam uma lei. Elas são a voz, a garganta da Constituição. Há meses o bravo e sereno juiz Sergio Moro, o hábil procurador Janot, a Policia Federal dão ao pais o magnífico exemplo de cumprimento do dever conduzindo a Operação Lava Jato. Agora, chegará tudo ao Supremo. Ele vai comandar a lavagem final.

Com a palavra os donos da oca.

HISTÓRIA

O professor e ex-deputado Helio Duque, sempre patrioticamente atento ao que acontece no pais, relembra a historia do Supremo:

– D. João VI, em 1808, desembarcou com sua comitiva real no Rio de Janeiro e imediatamente instalou o principal órgão da Justiça Nacional: a Casa de Suplicação do Brasil. Em Portugal, a corte suprema tinha o nome de Casa da Suplicação. Essa é a origem histórica do STF (Supremo Tribunal Federal). Uma casa de Suplicações ou de Suplícios?

– No Império e na República o Supremo sempre foi o guardião da Constituição, mas nas ditaduras o perfil da Corte sofreu reveses. Em 1968, com o AI-5, foram cassados os ministros Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva. Em reação à violência, os ministros Gonçalves de Oliveira, presidente do STF, e Antonio Carlos Lafayette de Andrada renunciaram em solidariedade aos ministros vítimas da violência.

– No governo Castelo Branco, o ministro Ribeiro da Costa, presidente do STF, advertia: “Pretende-se atualmente fazer com que o Supremo dê a impressão de ser composto por onze carneiros que expressam debilidade moral, fraqueza e submissão.”

SARNEY

Vozes cavernosas e de um passado triste já começam a desavergonhadamente se manifestar. O notório José Sarney, que sempre sabe do que e por que está com medo, acusa:

“O Sergio Moro sequestrou a Constituição e o país. O Supremo Tribunal Federal não pode se apequenar”.

Em artigo o juiz sugere que Sarney é mafioso: “Quem, em geral, vem criticando a colaboração premiada é aparentemente favorável à regra do silêncio, a omertà das organizações criminosas”.

NO MUNDO

A duração dos mandatos varia de pais para pais. No Brasil, agora, os ministros dos tribunais superiores têm mandato até os 75 anos, como os demais servidores públicos. Na Alemanha, no Tribunal Constitucional, os ministros têm mandato de 12 anos. Na França, 9 anos. Na Itália, também 9 anos, como na Espanha. À exceção dos EUA e outros poucos, são raros os mandatos vitalícios.

A “vanguarda do atraso” (como o saudoso Fernando Lyra chamava Sarney) vem conspirando para derrubar, nos tribunais, a “Operação Lava Jato”, acreditando que a vitaliciedade poderá ser uma aliada na impunidade geral e irrestrita dos delinquentes.

A oca vai dizer se os tempos mudaram no Brasil.

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