NUNCA MAIS A CORRUPÇÃO SERÁ A MESMA - VANDECK SANTIAGO

Antônio Assis
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Tenho a impressão que uma mudança inédita está acontecendo no Brasil no que diz respeito à intolerância contra a corrupção. Os escândalos que estamos vendo não são os primeiros de nossa história, nem serão os últimos, mas eles são tão gigantescos em suas ramificações, e estão tendo tantas consequências nunca ocorridas antes, que é plausível supor que deixarão marcas profundas na alma brasileira. Primeiro, a prisão de milionários e autoridades; segundo, a revogação ou cancelamentos de atos que antigamente sequer chegavam à Justiça, porque envolvia como beneficiários grupos empresariais poderosos; terceiro, um rebatimento igualmente inédito dessa intolerância nos atos do dia a dia, aqueles da “pequena corrupção”, que até então se considerava algo insignificante para ser comparado com a “grande corrupção”. Não é que tenham desaparecido estes gestos da “pequena corrupção” (subornar alguém para escapar de uma pequena punição, furar fila, agir no relacionamento pessoal pensando apenas em “levar vantagem em tudo” etc.). Eles ainda estão aí. Mas começaram a ser combatidos com um vigor que nunca vi antes.

Sim, não sou ingênuo, sei que nesse furor investigativo dos escândalos está se olhando muito para um lado só, e que a indignação às vezes é seletiva, sendo o furor proporcional ao “lado” de quem pratica a corrupção. Mas a prática de olhar majoritariamente para um lado só carrega uma dinâmica que, aos poucos, vai forçando a ação para uma observação dirigida a todos. O que está acontecendo com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, é um exemplo disso. O sentimento de que falo, porém, não está restrito ao caso da Lava-Jato; é algo mais amplo, atinge outros casos e outras áreas, e têm em comum a ação/mobilização das pessoas, do Ministério Público e de tribunais.

Como jornalista, acompanho este assunto desde os anos 1980. O que está acontecendo agora não se compara a nada do que aconteceu de lá para cá, e não estou falando do montante de dinheiro envolvido, mas do fenômeno da intolerância contra a corrupção - que se espraia lenta e gradualmente pela sociedade inteira, passando por cima inclusive da indignação seletiva (que é algo do interesse da luta política dos que disputam o poder, mas não do nosso interesse, cidadãos).

Não há nada - nem o nosso sangue nem a nossa história - que diga que estamos condenados a níveis alarmantes da “grande” e da “pequena” corrupção. A história nos ensina que países e lugares hoje dados como exemplos de intolerantes a este problema, já viveram fases em que ele parecia algo sem solução. Fraudes, subornos e apadrinhamento nos diversos níveis de governo eram algo comum nos EUA e Inglaterra do século 19, para ficar em dois exemplos bem conhecidos. Em determinado momento, nesses países, houve uma virada, e práticas de irregularidades, que antes eram consideradas “normais”, deixaram de ser vistas como tal. Não quer dizer que foram extintas, porém nada mais foi como antes. 
Diversos fatores contribuem para isso, mas a mobilização popular, a ação da imprensa denunciando os casos, o combate feito pelas instituições e a punição de responsáveis (independentemente do cargo que ocupem e da fortuna que tenham) são indispensáveis. Não é do dia para a noite que a mudança acontece. Mas suponho que nós estamos começando a nossa. O futuro nos dirá.

Foto: Pedro Franca/Agência Senado.

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