“Objetivo é defender o conteúdo qualificado”, afirma o presidente da ANJ

Antônio Assis
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Patrícia Raposo
Folha-PE

O jornalista Marcelo Rech, vice-presidente Editorial do Grupo RBS, é o novo presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), entidade que comandará pelos próximos dois anos. Eleito em agosto passado, ele tem feito uma veemente defesa da liberdade de expressão e da importância dos jornais impressos e eletrônicos. Mas, por outro lado, ele questiona a forma como a circulação de dados tem ocorrido neste universo online. Ressaltando o papel dos jornais em apurar e distribuir informações de qualidade, ele analisa como gigantes multinacionais, a exemplo do Facebook e Google, têm se apropriado desses conteúdos em detrimento dos veículos de comunicação. Para o novo presidente da ANJ, os jornais têm o desafio de serem reconhecidos como fonte de informação “certificada” para combater o “lixo” que circula na web, e nisso, entende ele, está o grande trunfo dos veículos de comunicação.


Existe hoje um grande conflito no universo da comunicação digital que são as vantagens financeiras e fiscais que multinacionais como Google, Facebook, entre outras, levam em detrimento das empresas locais geradoras de conteúdo informativo, como, por exemplo, o nosso portal do Grupo Folha de Pernambuco, o www.folhape.com.br. Isso porque o modelo de negócio desses gigantes não é gerar conteúdo, mas se apropriar do que é produzido por terceiros. Como isso está repercutindo no mundo?
Alguns países já começaram a acordar para isso, como Alemanha, Espanha, França, Itália. Os veículos que empregam muita gente e têm os encargos todos relacionados a isso (exigências regulatórias de toda espécie e arcabouço fiscal e tributário) enfrentam uma concorrência com gigantes digitais, transnacionais, que não têm nada disso. Essas gigantes empregam pouquíssimas pessoas, não têm restrições regulatórias de qualquer espécie e, tributariamente, muitas vezes são caixas-pretas.

Sua força de trabalho local é mínima...
Exato. Por isso, a Alemanha, por exemplo, está levando à Comissão Europeia uma demanda no sentido de que o uso da propriedade intelectual produzida pelos veículos de comunicação devem ser remunerados. Já tem uma primeira decisão da Corte Alemã em tributar um desses gigantes em 14 bilhões de euros. Isso foi levado, agora, para a Comissão Europeia em Bruxelas para uma decisão.

O senhor se refere a Google, que no começo do ano também enfrentou autoridades francesas. Elas exigiram da Google o pagamento equivalente a 1,6 bilhão de euros por entender que a gigante da internet deve impostos ao país. Cerca de um mês antes desse episódio, a mesma Google fechou um acordo semelhante com o Reino Unido de 170 milhões de euros. E o Brasil já discute isso?
Muito pouco. O próprio Governo não está preparado para essa discussão.

O caminho seria, então, cobrar pela propriedade intelectual dos veículos?
É um dos caminhos. Os gigantes digitais, as redes sociais em particular, elas precisam de conteúdo de qualidade para seu modelo de negócios. Porque se elas ficarem apenas no conteúdo lixo - mentirosos e inexpressivos - elas não se sustentam por muito tempo. O anunciante não quer colocar seu anúncio junto a uma informação lixo, degradante, grotesca, agressiva, violenta - tem informação lixo que tem milhões de seguidores para coisas horrendas.

Você falou agora de uma coisa interessante: conteúdo da publicidade. A mídia programática (maneira programada de comprar e vender mídia através de uma ferramenta online) tem afetado duramente tanto o negócio das agências de publicidades quanto as empresas de comunicação. Existe uma discussão sobre isso?
Estamos começando a discutir isso no Brasil, via ANJ, de que nem toda audiência é igual. Eu acho que nós caímos, negativamente, em uma armadilha do passado de só ficarmos falando em métricas de audiência como page views e unique visitors, sem levar em consideração a qualidade da audiência. Um usuário leitor de um jornal digital tem muito mais valor para um anunciante do que a média do usuário de uma página de rede social desqualificada, por exemplo. O mesmo princípio que vale para televisão e rádio tem que começar a valer na internet. Um usuário A e B, por exemplo, em rádio e televisão, tem valor maior para a maioria dos anunciantes do que D, E, F. Os usuários de jornais são mais qualificados nesse sentido, com renda e capacidade de consumo maiores.

Como você vê o posicionamento das agências de publicidade, que também perderam muito com a crise do impresso diante da web?
As agências estão confrontadas com esse mundo novo. Muitos clientes querem experimentar as redes sociais, mas no fundo é modismo. A Unilever, que gastava milhões de dólares em Facebook, saiu fora porque os resultados eram pífios. Muitos embarcaram em modismos e coisas aparentemente “bacanas”, mas que não geraram resultado. Como a internet tem muito lixo, a marca do anunciante pode parar em uma página que defende publicamente a execução de outras pessoas. E ele nem fica sabendo. Então as melhores agências estão orientando seus clientes a colocar o dinheiro onde gera resultado. E, obviamente, os veículos com seu trabalho profissional, em jornais, rádios e televisão - vão se beneficiar desse movimento.

Qual é o desafio da comunicação no âmbito do impresso versus online?
Se nós vamos transmitir a informação confiável não nos cabe definir qual a plataforma - em papel, smartphone, tablet, desktop, anuário, livro. Quem deve nos dizer como quer nos consumir, como e onde, é o leitor. Cabe a nós estarmos disponíveis em todas as plataformas, em todos os momentos do dia do público, com informações qualificadas e apropriadas para aquele momento de consumo. Obviamente, o impresso se presta para uma coisa mais aprofundada, interpretativa e trabalhada. O smartphone se presta a uma coisa mais rápida. O nosso objetivo não é defender a permanência eterna do impresso, embora eu acredite que vai existir por muitas décadas o jornal impresso. O objetivo é defender a informação confiável, qualificada e de acordo com a conveniência e o interesse do público. O livro eletrônico, por exemplo, não substituiu o livro em papel, no Brasil em particular. O livro em papel tem 93% ou 94% do mercado.

Existe o desafio também de atrair o novo leitor, o jovem leitor. Qual o melhor caminho?
Temos de trazer o jovem leitor, não diria que para o impresso, mas para as marcas. E o melhor argumento é: “se você consome informação de qualidade - com certificado de origem, fornecido pelo jornalismo profissional, por redações organizadas com técnicas, valores e conceitos universalmente aceitos - tem uma chance melhor na vida”. Se ele, um dia, decidir que para ele é melhor o digital do que o impresso, nós temos que respeitar essa decisão. Eu mesmo assinava quatro jornais de outros estados, que chegavam às 16h na minha mesa, então eu não lia. Cancelei todos os impressos e fiz todos digitais. Eu consumo muito mais - ao longo do dia. Eu não vejo muito problema em substituir o impresso pelo digital, desde que continuemos no negócio da informação profissional e confiável.

Quais são as diretrizes da ANJ para esse cenário?
A primeira essência da ANJ é a defesa da liberdade de expressão. Nós ainda vivemos, infelizmente, no Brasil, algumas ameaças sérias. Vimos uma decisão, recentemente, de um juiz de quebrar o sigilo profissional de um jornalista por conta de uma matéria na revista Época. É muito grave. Existe uma não compreensão e até o desrespeito elementar a um preceito constitucional. Temos ameaças a profissionais de comunicação e veículos. O Brasil é o segundo país onde há mais mortes nas Américas e a impunidade ainda é inaceitável no ano de 2016. De outra parte, vemos movimentos nos campos legislativos, executivo, sindical, ideológico e político, no sentido de fragilizar os veículos de comunicação e, com isso, silenciar vozes. Veículos fragilizados são presas fáceis.

E qual é o papel do jornalismo nessa realidade?
É tornar claro para a sociedade, em todas as oportunidades que for possível, que os veículos profissionais - que são aqueles organizados em redações profissionais e que comungam de valores em comum em todos os quadrantes do planeta - produzem um bem escasso nesse novo mundo: que é a informação confiável. Ela tem um valor fundamental, não só para a sociedade como um todo, como para a democracia, para a relação entre as pessoas, para a tomada de decisão, orientação para a vida e o próprio posicionamento das pessoas em redes sociais. Esse papel, com nossas limitações e falhas, que reconhecemos, é exercido pelo jornalismo profissional. Diferentemente do que alguns tentam vender, o jornalismo profissional será ainda mais relevante no futuro do que é hoje.

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