Relatório apresentado à ONU mostra situação do sistema socioeducativo no Brasil

Antônio Assis
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Marília Neves
Folha-PE

Tortura, maus tratos, superlotação dos espaços, violência e morte. Essa é uma amarga realidade sofrida por menores infratores em condição de vulnerabilidade nas instituições socioeducativas de todo o País. A informação está contida em relatório elaborado conjuntamente entre o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), a Justiça Global (RJ), a Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced), a Organização Mundial de Combate à Tortura, e outros parceiros.

Apresentado na manhã desta quinta-feira (6) ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), o documento será um dos instrumentos de análise a serem avaliados pela Organização junto ao Brasil na 27ª sessão do Grupo de Trabalho da Revisão Periódica Universal (RPU), que ocorre no segundo trimestre de 2017, em Genebra, na Suíça. Através da RPU, os estados (governos) se avaliam mutuamente em relação à realidade dos Direitos Humanos, gerando um conjunto de recomendações. O Brasil, através da comitiva liderada pela missão diplomática do País, já passou por duas rodadas da RPU, em 2008 e 2012.

De acordo com o representante do Gajop em Genebra, Rodrigo Deodato, o informe temático aborda a situação do sistema socioeducativo no Brasil e os possíveis retrocessos, a exemplo do aumento do tempo de internação desses jovens. “O Estado de Pernambuco foi citado no relatório pelo alto número de mortes dentro das unidades da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase), totalizando 29 casos nos últimos cinco anos, e sendo considerado como o lugar mais perigoso para um adolescente cumprir medida de internação no sistema sócio educativo em todo o País”, declarou o assessor institucional do Gajop.

Em Abril deste ano, um reeducando teve parte do corpo queimado após ser esfaqueado e morrer durante rebelião na Funase do Cabo de Santo Agostinho. No final do mês de agosto de 2016, outro jovem foi assassinado. Dessa vez, na unidade de Abreu e Lima. “Um informe como esse retrata a terrível realidade de falência do sistema socioeducativo nos dias de hoje, em especial em Pernambuco. Mas, ao mesmo tempo, oferece visibilidade internacional às violações dos Direitos Humanos que fazem parte do cotidiano de adolescentes e profissionais que atuam neste mesmo sistema”, afirmou Rodrigo Deodato. Outros pontos marcantes no documento são relatos de tortura ostensiva e homicídios recentes nas unidades, além das péssimas condições de trabalho para os profissionais que atuam nesses locais, explanou.

Ainda de acordo com Deodato, o relatório é apenas um dentre os que foram enviados ao ACNUDH. “A partir do monitoramento realizado pelas instituições nos estados e o trabalho de acompanhamento do cumprimento de recomendações da ONU voltadas ao Brasil, é que as intuições produziram todo o relatório”, elucidou. O Alto Comissariado avalia esses relatórios e, a partir deles, faz recomendações, explicou. Os dados relatados nos documentos apresentados baseiam-se no monitoramento realizado pelas Organizações Não Governamentais (ONGs) e instituições nos estados, a partir do trabalho de acompanhamento do cumprimento de recomendações da ONU voltadas ao Brasil.

Nesta quinta, encerra-se o prazo para colaboração de organizações da sociedade civil para o envio de informações para o Alto Comissariado. Nos últimos meses, ONGs do Brasil todo se mobilizaram. O documento conjunto traz dados alarmantes, ainda, sobre a situação no Ceará e no Rio Grande do Sul, por exemplo. Ele estará disponível no site RPU Brasil em breve.

Pernambuco X Sinase

Criado pela Lei 12.594/2012, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional. Em Pernambuco, a instituição responsável pela aplicação dos termos do Sinase nas unidades é a Funase. Contudo, conforme relata o técnico do Gajop, o psicólogo Romero Silva, as instituições pernambucanas descumprem várias medidas do Sinase.

“No Sinase, recomenda-se que a arquitetura das unidades seja em formato de casas e que comportem até 40 reeducandos. Contudo, nem uma nem outra são cumpridas. Os muros e dependências da Funase no Estado, com exceção de Timbaúba, não cumprem os critérios arquitetônicos explícitos no Sistema”, relata.

Pelo Gajop, Romero Silva realiza periodicamente visitas nessas instituições e relata que os adolescentes vivem em condições desumanas. “Passam por tortura física e psicológica. Vivem em um ambiente insalubre e superlotado. No Cabo, há espaço para 160 jovens, mas há 300 no local. Em Abreu e Lima, o espaço é para 98, mas há aproximadamente 210”, exemplifica. Tais aspectos foram levantados e registrados no relatório apresentado pelas ONGs à ONU nesta quinta.

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