Hegemonia do PSB nunca ficou imune a dissidências

Antônio Assis
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Miguel Arraes e Eduardo CamposFoto: Roberto Pereira/Acervo pessoal

Carol Brito
Folha-PE

Os recentes embates tornados públicos pelo advogado Antônio Campos (PSB) e pelo vice-pre­sidente do PSB pernambucano, Luciano Vas­quez, revelaram que as disputas internas na sigla socialista vão muito além do que o palanque da Frente Popular aparenta mostrar. As insatisfações externadas são resquícios de uma disputa silenciosa por espaços travada nos bastidores, uma herança da própria tra­dição da sigla - que nasceu em 1947, fruto de uma dissidência de intelectuais da esquerda e do antigo partidão, o PCB. 

Após a sua re­fun­dação em 1985, o ingresso de Miguel Ar­raes, em 90, foi um verdadeiro divisor de águas na le­gen­da, que passou a ter o comando cen­tralizado nas mãos do líder pernam­buca­no. Uma hege­monia só superada pelo seu neto Eduardo Campos, mas que nunca ficou imune a dis­sidências. Confira:
O ingresso de Miguel Arraes no PSB, em 1990 - à convite de refundadores da legenda, como Roberto Amaral, Antônio Houaiss e Evandro Lins e Silva - foi determinante para o crescimento e consolidação do partido. Foi o divisor de águas. À época, sua filiação foi motivada, especialmente, pelo crescimento da rivalidade entre ele e o deputado federal Jarbas Vasconcelos, em Pernambuco. 

Com o crescente acirramento de suas relações, o PMDB ficou pequeno para abrigar as duas lideranças. Miguel Arraes, portanto, abraçou o projeto socialista para concorrer a uma vaga de deputado federal. A formação de uma chapinha por Arraes, que tirou peemedebistas históricos da Câmara Federal, foi a primeira faísca na relação entre os ex-alidos, que romperam, definitivamente, na eleição municipal de 1992.

Em 1993, Arraes já havia assumido o comando do partido, no congresso realizado em Maceió, e permaneceu no posto até sua morte, em 2003. A hegemonia de Arraes não ficou livre de dissidências. Após seis anos à frente da sigla sem contestações, uma corrente interna começou a pedir mudanças. O movimento teve foco em diversos estados. Se insurgiram lideranças como Luiza Erundina (São Paulo), Lídice da Mata (Bahia), Ronaldo Lessa (Alagoas) e Sérgio Novaes (Ceará). De última hora, João Capiberibe se lançou nas eleições internas de 1999, mas foi derrotado por ampla vantagem de Arraes, que venceu por mais de 700 votos.

Eduardo
Apesar da proximidade e da afinidade, o ex-governador Eduardo Campos também teve embates com o seu avô. Em 2002, ambos se lançaram para deputado federal. Arraes foi o quarto mais votado com 181.235 votos e Eduardo um dos últimos da Frente Popular, com 69.975.

Apesar de Miguel Arraes ter conduzido o partido com pulso forte, por mais de uma década, foi sob o comando de Eduardo Campos que ele teve sua liderança mais centralizadora e inconteste. O maior embate enfrentado por Campos foi com o grupo liderado por Ciro Gomes no Ceará. Em 2010, Gomes brigou para ser o candidato à Presidência da República pela sigla, mas enfrentou a oposição de Eduardo, que conseguiu a renovação do apoio ao PT, com Dilma Rousseff (PT). O clima entre as lideranças azedou, de vez, com o lançamento da candidatura presidencial de Eduardo Campos, em 2014. O projeto levou Ciro Gomes, seu irmão Cid Gomes e mais 40 prefeitos a deixarem a legenda em 2013.

Com a morte de Eduardo Campos, em acidente aéreo, em 2014, em plena campanha presidencial, as divergências voltaram a assolar o PSB. O apoio ao nome de Marina Silva e, em seguida, ao senador Aécio Neves (PSDB) no pleito do mesmo ano, levaram à saída de lideranças históricas da sigla, descontentes com os novos rumos do partido. A leva contou com o então vice-presidente do PSB, Roberto Amaral e Glauber Braga (Rio de Janeiro), Luiza Erundina (São Paulo), Sérgio e Eliane Novaes (Ceará).

Focos de poder
Hoje, sem uma liderança central, o PSB possui vários focos de poder, sendo os principais São Paulo e Pernambuco. Os dois grupos chegaram a bater de frente quando começou a ser discutida a possibilidade de fusão com PPS. Com medo de perder forças para dentro da sigla, os pernambucanos foram contra e os paulistas saíram em defesa. A fusão acabou sendo descartada. "O mais importante é que o PSB sempre manteve a unidade. Foram ca­sos pontuais que o partido soube superar", avalia o secretário-geral do PSB de Pernambuco, Adilson Go­mes, braço direito de Miguel Arraes durante toda sua trajetória.

Ausência de líderes deixou um vácuo

Um partido em busca do seu projeto. Na avaliação de cientistas políticos entrevistados pela Folha de Pernambuco, a ausência de lideranças como Eduardo Campos e Miguel Arraes de Alencar fazem falta para o partido, que vem mudando suas visões ideológicas e se tornando uma legenda cada vez mais pragmática. O estopim para as divergências foi o apoio dado ao senador Aécio Neves nas eleições presidenciais de 2014, quando diversas lideranças deixaram as hostes socialistas.
O cientista político Vanuccio Pimentel avalia que o trabalho construído por Eduardo Campos precisou atrair um novo arco de alianças que, não necessariamente, estão ligadas às bandeiras históricas da legenda. Com a morte do ex-governador, esse movimento acabou provocando esse embate de visões, observado, hoje, na sigla.
"Por muito tempo, o PSB orbitou em torno do PT, mas Eduardo Campos, quando viu uma janela para construir seu projeto, acabou se descolando e precisou construir um arco de alianças fora dessa linha que o partido historicamente adotou. Esse movimento fez com que o partido se tornasse mais pragmático. Hoje, há uma transição ideológica e isso faz surgir divergências naturais dentro do partido", disse.

A ausência de uma liderança forte com um projeto nacional como Eduardo Campos também faz falta."Eduardo conseguiu catapultar o PSB, mas sem um grande líder. Isso se traduz nas divergências internas. Com a morte de Eduardo, algumas posições dentro do PSB ficaram insustentáveis", avalia o cientista político Antônio Henrique Lucena.

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