Humano, demasiado humano

Antônio Assis
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NietzscheFoto: Roger Vieira/Arte/FolhaPE

Carol Botelho
Folha-PE

“O pastor protestante é o avô da filosofia alemã”, dis­se Friederich Nietzsche em uma de suas obras, “O Anticris­to”. De fato, o filósofo a­le­mão nasceu em 15 de outubro de 1844, no seio de uma família de pastores luteranos. Quem diria que se tornaria ateu! Mas tal reação não partiu de uma atitude emocional rebelde, e sim de conclusões racionais.
Só que nem tudo na vida do filósofo - de estatura abaixo da média, atarracado e cuja marca registrada era o espesso bigode - seguiu a ra­zão. A insanidade provocada pela sífilis, que contraiu ainda jovem, debilitou o autor de livros como “Assim Falou Zaratustra” e “Ecce Homo” de tal ma­neira que as emoções com­prometeram, em certos momentos da vida, o intelec­to. 

O percurso de sua vida e obra é revelado no livro “Nietzsche, uma biografia”, de R. J. Hollingdale, publicado pela primeira vez nos anos 1960 e considerado uma das melhores fontes escritas so­bre o filósofo. O autor é um grande conhecedor dos textos de Nietzsche, visto que já traduziu e editou diversos deles. 

Nietzsche nunca teve filhos nem se fixou em lugar nenhum. Foi um cosmopolita. E o autor dá a entender que esse desapego a raízes se deu desde a morte do pai, a quem era muito apegado. Apesar de intelectualmente precoce, o filósofo só produziu sua primeira obra, “Humano, Demasiado Humano”, aos 34 anos. 

Talvez por isso não veja com bons olhos a juventude, passada em colégios de disciplina rígida. “A juventude é desagradável, pois nessa idade não é possível ou razoável ser produtivo em qualquer sentido que seja”. Foi um fraco aluno de matemática e gramática, e se voltou mais para a literatura, principalmente a poesia.

Quanto à religião, não demorou para que se decepcionasse, principalmente com o cristianismo, que acreditava ser um assunto do coração, e não do conhecimento. Para o filósofo, só a história e a ciência constituíam “os únicos fun­damentos sólidos sobre os quais podemos construir a tor­re de nossas especulações”.

Já a fé verdadeira, segun­do ele, é infalível, pois cumpre o que a pessoa de fé espera dela. “(...) mas não oferece a menor base para comprovação de uma verdade objetiva. E aqui os caminhos se dividem: se você deseja paz de espírito e felicida­de, creia; se deseja ser um discípulo da verdade, então investigue”.

A existência em si não é significativa; o próprio homem deve se tornar o significado e a justificativa da vida. Só que quando se descobre que Deus não existe, a humanidade fica perdida no caos, segundo o filósofo. 

Recluso, sem amigos, faltou à formação de Nietzsche o conhecimento sobre os seres humanos comuns, já que teve pouco contato com eles. En­tre os humanos que admirou estão o filósofo Arthur Schopenhauer e o músico Richard Wagner.

Foi graças a este último que Nietzsche desenvolveu a teoria da vontade de poder, pois as obras de Wagner são um reflexo da sua necessidade de dominar os outros. Após a admiração quase paternal veio a decepção ao perceber que o músico era um antissemita.
Já Schopenhauer acreditava que o intelecto totalmente livre da vontade poderia ser chamado de gênio.

O indivíduo, na sua vontade de viver, usa os outros para atingir esse fim, e todos fazem a mesma coi­sa, gerando uma situação inevitável de conflito. Impos­sível não partir daí para a infelicidade. Nietzsche, no entanto, não é metafísico co­mo Arthur, e sim materialista. “(...) o único mundo é o ‘apa­rente’”. Mas ele encontra felicidade na busca pelo conhecimento. 

À frente de seu tempo, Nietzsche acreditava que um filósofo tinha que ter esse pa­pel como pensador e ser um decadente contemporâneo. Se assim não fosse, não have­ria necessidade de um filósofo, pois só quando a vida é sofrimento é que se faz necessário refletir sobre ela. A alegria não precisa ser explicada, já que o próprio estado de felicidade o justifica.

A felicidade, quando alcançada, traz consigo o poder. Quando o homem é mais feliz, quer dizer que superou a felicidade e tornou-se um ‘super-ho­mem’, a razão da existência. Esse ser, segundo o filósofo, dirá sim até a dor, pois sabe que a felicidade suprema não seria possível sem a miséria. Nietzsche morreu em 1900, aos 56 anos.

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