Marcelo Calero: o novato tombou o Brasil antigo

Antônio Assis
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FORA DO ROTEIRO
Calero em seu gabinete no ministério. Ele parece ter desafiado uma antiga cultura do poder (Foto: Alan Marques/ Folhapress)

Leandro Loyola
Época

Marcelo Calero entrou no governo Michel Temer no final da montagem, meio por falta de alternativa. O plano inicial era extinguir a Pasta para reduzir o número de ministérios num primeiro sinal de austeridade fiscal, mas os protestos da classe artística foram crescendo e assustaram o presidente recém-empossado. A gritaria foi tamanha que o presidente voltou atrás. Marcelo Calero, advogado de formação, diplomata de carreira, jovem, foi indicado pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes. Sem nenhuma experiência na política em Brasília, Calero virou ministro da Cultura. Agora, se pudesse voltar atrás, talvez Temer tivesse enfrentado os protestos de artistas e mantido a decisão de extinguir a Cultura.

Calero fez história na sexta-feira, dia 18, quando pediu demissão e saiu atirando. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Calero acusou o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, do PMDB, de pressioná-lo para mudar uma decisão de Estado. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), subordinado à Cultura, embargara a construção de um certo edifício La Vue em Salvador, na Bahia. O plano era encravar um prédio de 30 andares perto do Farol da Barra. Mas o Iphan permitiria a construção de apenas 13 pavimentos. Dono de um compromisso de compra de um apartamento avaliado em R$ 2,6 milhões no La Vue, Geddel queria a liberação da obra por completo. De acordo com Calero, Geddel procurou-o várias vezes. No mês passado, protestou que o Iphan não liberava o empreendimento. “E aí, como é que eu fico nessa história?”, disse Geddel, segundo Calero. Geddel disse que o colega deveria intervir no Iphan e ameaçou levar o caso ao presidente Michel Temer caso não fosse atendido. A pergunta de Geddel foi respondida na sexta-feira, dia 25. Ele teve de pedir demissão, ir embora do governo, para preservar Temer.


Geddel foi obrigado a sair porque Calero, sem carreira política ou cargos a preservar, decidiu se livrar do encosto que empurraram em seu colo. Manteve a decisão técnica do Iphan de defender o patrimônio histórico e entregou o cargo no dia 18, uma sexta-feira. Foi mais longe. Um dia depois foi à Polícia Federal e prestou um depoimento no qual enrolou Temer e outro ministro, Eliseu Padilha, da Casa Civil, na situação criada por Geddel. Calero disse que Padilha recomendou que ele acomodasse a decisão em favor de Geddel. Pior, disse que Temer entrou no circuito. Em uma reunião no Palácio do Planalto, no dia 17, o presidente disse, segundo Calero, que o entrevero criara “problemas operacionais” em seu governo, pois Geddel estava bastante irritado. Na versão de Calero, Temer repetiu a recomendação de Padilha – que ele desse um jeito de encaminhar o caso para a Advocacia-Geral da União (AGU), onde seria resolvido. Para responder ao depoimento de Calero, Temer escalou o porta-voz Alexandre Parola. Em uma nota, Parola disse que Temer conversou duas vezes com Calero para “mediar” a divergência entre os dois ministros. “O ex-ministro (Calero) sempre teve comportamento irreparável enquanto esteve no cargo. Portanto, estranha sua afirmação, agora, de que o presidente o teria enquadrado ou pedido solução que não fosse técnica”, disse Parola. A nota de Parola afirma que Temer trata todos os seus ministros “como iguais”. Mas uma crise política estava criada justamente porque, segundo Calero, Temer nem sempre trata seus ministros dessa forma.


Geddel agiu como mandam os velhos manuais do poder político brasileiro e estabacou-se. Não contava que o “quem manda mais pode mais” de Brasília não seria entendido por um novato que não tem cargos políticos a preservar. Calero estudou no colégio Santo Ignácio do Rio de Janeiro, famoso pelo rigor acadêmico e ético. Formou-se em Direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e atuou na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Entrou para o Itamaraty em 2007 e ocupou alguns cargos na gestão de Paes. No ministério, elogiava a equipe. Tinha seguidores no Instagram que o chamavam de “lindo” e “gato”. Ao denunciar o malfeito de Geddel, Calero apenas se indignou com um costume inaceitável – embora geralmente aceito – na política: a confusão deletéria entre público e privado. Pelo menos no momento, sua lista de admiradores cresceu.

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