Dois séculos depois, ferro começa a ser substituído pelo aço no Recife

Antônio Assis
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Cemitério de Santo Amaro

Marcos Toledo (texto) e Alfeu Tavares (fotos)
Folha de Pernambuco

Recife de rios e pontes. Recife de metal. Bem que poderíamos estar falando do estilo de rock pesado, bastante cultuado na Capital pernambucana. Mas há outros tipos de metais que outrora marcaram a cidade e que agora pedem para delimitar uma nova fase importante em nossa história sob novos conceitos e aplicações: o ferro e o aço.

A relação do Recife com as construções metálicas tem origem na época da Revolução Industrial, que começa no século 18 e traz grandes contribuições tecnológicas para a arquitetura a partir do século seguinte. Nesse ramo, o ferro fundido acabou se tornando o principal material de construção civil de então, capitaneado por países como Inglaterra, França, Bélgica e Alemanha.

O mercado europeu logo se tornou pequeno e a teórica facilidade de se fabricar um edifício e enviá-lo em partes numeradas para qualquer lugar do mundo então conhecido, e lá (re)montá-lo, atraiu o mercado das colônias na África, América do Sul e Ásia.

Dizemos facilidade teórica porque, se por um lado era muito prático criar peças, embarcá-las em navios e montá-las em qualquer lugar, por outro o volume, quando desembarcado, tinha poucas chances de ir muito longe devido ao peso e à falta de transporte terrestre compatível. Daí tais construções ficarem concentradas em cidades portuárias, como o Recife da época, e no máximo em lugares que tinham conexão por meio de linhas ferroviárias.

Do ponto de vista da aplicação, o ferro fundido caiu como uma luva (sic) em substituição às tradicionais estruturas de madeira, sobretudo em função da durabilidade. Mas o que contava mesmo era o conceito de monumentalidade que as construções metálicas exercem sobre os indivíduos que as contemplam.

O uso foi gradual. Dos balcões, escadas e colunas passando por coretos, fontes d’água, postes de iluminação, bancos e reservatórios d’água, até estações ferroviárias, trilhos, locomotivas e vagões, além de pontes e edifícios com as mais diversas aplicações, como mercados, igrejas, pavilhões e residências.

O estilo das construções estava diretamente ligado à facilidade da reprodutibilidade técnica e à dependência econômica e cultural das colônias em relação às matrizes europeias, das quais importavam hábitos, moda e consumo de produtos industrializados. Com a arquitetura não foi diferente. Assim era muito comum os mercados públicos pré-fabricados e importados da Europa, por exemplo, seguirem o estilo do Mercado Central de Paris, Les Halles. Esse outro mercado, econômico, era estimulado por exposições internacionais muito comuns no século 19, algo como o salão do automóvel ou feira de tecnologia da época.

Cult
O ferro na história da arquitetura recifense exerce um fascínio lendário semelhante à presença dos holandeses em Pernambuco: seu apogeu durou um tempo relativamente curto, porém, de forma bastante expressiva, cosmopolita e glamourosa, o suficiente para ser cultuado até hoje. Entre as edificações mais expressivas desse período estão os Mercados de São José e de Casa Amarela; a Associação Comercial do Recife, no Marco Zero; a Estação Ferroviária Central, no bairro de São José; a ornamentação interna do Teatro de Santa Isabel, no bairro de Santo Antônio; a Faculdade de Direito, no bairro da Boa Vista; as Pontes Velha (também em Santo Antônio) e da Boa Vista; o gradeamento, os portões e as estátuas de ferro do Campo das Princesas (atual Praça da República); e a casa da família Brennand, no bairro da Várzea. “O ferro marcou estilo, inclusive como decoração”, afirma o historiador Leonardo Dantas Silva. Segundo o pesquisador, naquela época predominou o estilo neoclássico, às vezes chamando para o neogótico.

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