Sob censura

Antônio Assis
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Helio Schwartsman - Folha de S.Paulo

A censura é sempre errada, mas às vezes consegue ser também ridícula. A decisão do juiz que obrigou a Folha e o jornal "O Globo" a retirar da internet reportagens sobre a tentativa de extorsão de que foi vítima a mulher do presidente Michel Temer parece pertencer ao segundo grupo.

O que a reportagem da Folha fazia era basicamente juntar fatos já amplamente noticiados sobre a condenação, no ano passado, do hacker que tentou chantagear Marcela Temer com informações que constam de processos judiciais que estavam à disposição de qualquer consulente no site do Tribunal de Justiça de São Paulo. Pelas regras da transitividade, o juiz censurou o próprio Poder Judiciário, o que implica deitar por terra o princípio da publicidade do processo penal. Vale lembrar que esse princípio é a mais efetiva senão a única arma de que a sociedade dispõe para coibir eventuais abusos da Justiça e do Ministério Público.

Embora a preservação da intimidade também seja um relevante valor a preservar, questões levantadas nos processos não dizem respeito só à mulher do presidente, mas também ao próprio mandatário. E o direito à privacidade não pode servir de escudo contra o escrutínio público a que a Presidência deve submeter-se.

Colocar-se contra a censura não é mero fetiche corporativo de jornalistas. A liberdade de expressão e de imprensa se conta entre as mais valiosas joias do pensamento iluminista. Como já escrevi aqui, ela está na base de algumas das mais produtivas de nossas instituições, como a democracia, as artes e a liberdade acadêmica —e, consequentemente, o desenvolvimento científico.

Mais até, ao assegurar que todas as ideias possam ser discutidas sob todos os ângulos, a liberdade de expressão permite que cada sociedade encontre seu ponto de equilíbrio entre a mudança e a conservação. Juízes deveriam pensar 300 vezes antes de mandar suprimi-la.

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