Temer, fora dos cem dias de Trump

Antônio Assis
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Clovis Rossi 
Folha de S.Paulo

Os cem primeiros dias da Presidência de Donald Trump contiveram mais tuítes do que ações efetivas: levantamento da agência AFP mostrou que, até a véspera do centésimo dia (que foi neste sábado, 29), haviam sido disparados 945 tuítes e apenas 29 ordens executivas –esse número foi a 30 com o decreto assinado na sexta-feira (28).

Bem feitas as contas, o balanço dos cem dias revela mais coisas que não foram feitas: a Justiça barrou os decretos que impunham restrições à imigração; não há dinheiro alocado para a construção do famigerado muro na fronteira com o México; não foi revogado o Obamacare, o plano de saúde tão vilipendiado durante a campanha; os Estados Unidos não saíram (ainda) do Nafta, o acordo de livre-comércio com México e Canadá, que o candidato Trump dizia ser "o pior acordo do mundo".

É natural, portanto, que Trump tenha apenas 43% de aprovação, quando o menor índice obtido por seus antecessores na história moderna era de 45% (Gerald Ford, o vice que assumiu após a renúncia de Richard Nixon).

Do meu ponto de vista, é bom, para o mundo e para os Estados Unidos, que pouco tenha de fato acontecido nesses primeiros cem dias. A ação mais forte, aliás, foi o bombardeio de uma base aérea na Síria –uma iniciativa unilateral que é sempre condenável.

Esse balanço até tornaria menos problemático o fato de que o Brasil de Michel Temer não entrou no radar de Trump.

No Itamaraty, até se festeja essa ausência, o que tem certa lógica: aliados tradicionais e firmes dos EUA, como, por exemplo, Alemanha e Austrália, não foram exatamente acariciados ao dialogar, ao vivo ou pelo telefone, com Trump.

Mas essa avaliação acomodatícia fica prejudicada pela visita do presidente argentino Mauricio Macri a Washington, na véspera dos cem dias. Segundo o relato do jornal "La Nación", Trump tratou Macri como "sócio" e até deu ordens para que fossem resolvidas as pendências dos EUA com a Argentina em torno da exportação de limões, biodiesel e carne.

Mais: teria pedido que Macri liderasse a pressão de seus pares na América Latina sobre a Venezuela. Aliás, é sintomático que Trump tenha usado para se referir à Venezuela ("um desastre") avaliação idêntica a que fez o linguista Noam Chomsky, que está no extremo oposto do leque ideológico.

Em entrevista à "Democracy Now", Chomsky afirmou que a situação na Venezuela "é realmente desastrosa". Pena que os aduladores de Chomsky na esquerda brasileira e latino-americana continuem sócios do grande fracasso que é a gestão Nicolás Maduro.

Volto a Trump e Macri. Não se trata de disputar com o mandatário argentino um papel de liderança, trata-se de entender que o Brasil deve estar na linha de frente no subcontinente e, por extensão, na relação com os Estados Unidos.

Pode-se amar ou odiar os Estados Unidos e seu presidente, mas não se pode ignorá-los ou ser por eles ignorado.

A gestão Lula, por exemplo, foi beneficiada pelos carinhos de George W. Bush e depois de Barack Obama. Temer, com bem mais de cem dias, ainda está à procura de uma agenda para entrar no radar de Washington.

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