Barragens poderiam ter aliviado sofrimento

Antônio Assis
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Maicon ainda estava no ventre da mãe quando a maior parte da cidade foi engolida pelas águas do Rio Una na histórica enchente de 2010
Foto:Diego Nigro / JC Imagem

Felipe Vieira
JC Online

O menino Maicon Vinícius Bezerra, 6 anos, tenta se equilibrar em meio à lama grossa que arrasou a casa de sua família, em Catende, Zona da Mata Sul do Estado, após as chuvas do último dia 28 de maio. O pouco que ele e sua família tinham – roupas, geladeira e fogão – foi inutilizado pelo temporal. No corre-corre contra as águas que subiam rapidamente dentro de casa na noite daquele domingo, Maicon lembrou-se de salvar os brinquedos. Não eram muitos, pois couberam em uma mochila que ele mesmo entregou ao pai antes de todos deixarem o imóvel, com água pela cintura. Um caminhão de plástico teve que ficar para trás. Foi achado, enterrado na lama, bem em frente à casa, no dia seguinte. Um pequeno milagre e uma alegria para o menino em meio a tanta destruição.

Maicon ainda estava no ventre da mãe quando a maior parte da cidade foi engolida pelas águas do Rio Una na histórica enchente de 2010. A casa da família era a mesma, colada ao matadouro da cidade. “A gente pensava que não veria nada pior que aquilo, mas infelizmente aconteceu de novo”, lamenta o pai do garoto, Maurício Bezerra, 42 anos. O barro na residência da família foi retirado com a ajuda de Maicon e de seus três irmãos, de 14, 12 e 11 respectivamente.
SIMBÓLICO

O simbolismo da imagem do menino desolado em meio à lama, registrada pelo repórter fotográfico Diego Nigro, é evidente: a fragilidade da população de áreas ribeirinhas contra intempéries da natureza ainda é grande em Pernambuco. Talvez quatro pessoas não tivessem morrido nem 55 mil ficado desabrigadas ou desalojadas se as obras emergenciais prometidas pelo poder público logo após a cheia de 2010 tivessem sido concluídas. E talvez a impactante foto de Maicon que se vê na reportagem sequer existisse.

Do cinturão de cinco barragens que seriam construídas por meio de parceria entre os governos estadual e federal, apenas uma ficou pronta a tempo de minimizar os efeitos devastadores das chuvas de grandes proporções: a de Serro Azul, no município de Palmares, na Zona da Mata Sul. As outras quatro – Panelas II, em Cupira; Gatos, em Lagoa dos Gatos; Igarapeba, em São Benedito do Sul; e Barra de Guabiraba, na cidade homônima – ficaram pelo caminho e hoje são canteiros abandonados, onde a natureza dá uma força para destruir o que foi erguido parcialmente.

Na última sexta-feira, o governo do Estado anunciou que será necessário um total de R$ 600 milhões para concluir as quatro obras paralisadas e tocar outras três: as barragens de Engenho Pereira e Engenho Maranhão, nos municípios de Moreno e Ipojuca, no Grande Recife, e em São Bento do Una, no Agreste. O governador Paulo Câmara se referiu às sete barragens como “prioridade número um” do governo. Não custa lembrar que esse projetos hídricos também foram anunciados como prioridade após o desastre de 2010. Em 2011, a então presidente Dilma Rousseff e o então governador Eduardo Campos, numa solenidade em Cupira, assinaram a ordem de serviço das unidades de Panelas II e Gatos. Quatro anos depois, com a crise econômica e o colapso do poder público, as obras minguaram.

Famílias como a de Maicon já começaram a reconstruir suas vidas embaladas por mais uma promessa de que as obras para conter enchentes serão retomadas. Mas a incerteza cobra um preço alto. “O cérebro humano trabalha buscando previsibilidade, certeza do futuro. Quando acontecem catástrofes como essa, e de forma repetida, a tendência é as pessoas perderem esse referencial. Tudo vira incerteza, e daí surgem angústias que podem resultar em depressão, alcoolismo e uso de drogas”, explica o psiquiatra Amaury Cantilino.

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