Educação tem 53% das obras federais paradas

Antônio Assis
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Em Pernambuco, obra da Universidade Federal Rural passou por atrasos até ser entregue este ano
Foto: Luiz Pessoa/JC Imagem

Estadão

Mais da metade das obras relacionadas a equipamentos educacionais bancados pelo governo federal está parada no País ou ainda nem teve início. São novos prédios escolares e reformas que estão atrasadas, em alguns casos, em mais de três anos. Há hoje cerca de 14,5 mil obras do tipo na fila da construção, mas só 6.874 delas estão em execução (47%). Enquanto isso, só 1 em cada 4 crianças brasileiras com menos de 4 anos está matriculada em creche.

Os dados, inéditos, foram tabulados pela reportagem por meio do Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle (Simec), plataforma mantida pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). De cerca de 28,5 mil obras pactuadas pelo governo federal, 11,4 mil foram concluídas, 2,4 mil estão canceladas ou inacabadas (com contrato com o governo federal rompido antes do término da obra), 1,6 mil totalmente paralisadas e 6 mil sequer tiveram início.
O atraso em todo o País tem sido destacado pelo próprio ministro da Educação, Mendonça Filho, que afirmou, no início do mês, em Pernambuco, que as autorizações para obras já ultrapassam R$ 10 bilhões. "Para honrar esses compromissos, levaremos de seis a sete anos."

O principal gargalo está nas creches do programa Proinfância, bandeira do governo Dilma Rousseff. Há cerca de 500 construções nessa linha paralisadas. Desde 2007, só cerca de 3 mil das 8 mil prometidas foram entregues. O programa é alvo de auditorias no Tribunal de Contas da União (TCU).

A cidade de São Paulo tem nove unidades paralisadas, a maioria em áreas periféricas e com maior demanda por creches. Há ainda outras 74 obras não iniciadas - 8 delas já com recursos recebidos do FNDE. A Prefeitura disse, em nota, que "todas as obras são prioritárias e serão retomadas este ano com recursos municipais e federais".
Exemplos

Na Rua Domingos Delgado, na Vila Franco, zona norte da capital paulista, um terreno abandonado irrita os moradores da região, pois acumula mato alto, lixo. A obra de uma creche, agora paralisada, teve o edital publicado em julho de 2014, mas até agora a construção atingiu só 42% do total, com previsão de entrega até o fim do ano. A construção ainda consumiu R$ 1,2 milhão dos cofres públicos federais.

A poucos metros dali, a estudante Gabriele Victoria Marques, de 15 anos, passa o dia cuidando do irmão Leonardo, de 1 ano e 4 meses, enquanto a mãe sai para trabalhar. "Minha mãe já tentou colocá-lo em outra creche e não conseguiu. E essa daqui da rua só fica na promessa", reclamou. Por causa da rotina, a menina vai à escola na parte da manhã - está no 9º ano do ensino fundamental -, mas não consegue estudar em casa. "Não tenho tempo de fazer nada, só cuidar do menino", afirmou.

Na mesma rua vive a dona de casa Maria Sandra Clemente Silva, de 21 anos, com três filhos pequenos. A mais velha, Jenifer, de 4 anos, nunca conseguiu a creche e agora tentará a matrícula em uma pré-escola, que atende crianças de 4 e 5 anos. Os irmãos mais novos - Ana Lorraine, de 1 ano e 9 meses, e Sofia, de 3 meses, dividem a atenção da mãe. "Já tentei fazer a matrícula em outras creches, mesmo as que ficam mais longe, mas até agora não fui chamada", disse ela, que ainda não conseguiu um emprego por causa da dificuldade em cuidar das crianças.

Outro "esqueleto" federal está na Rua Ricardo Dalton, no Jardim Santa Fé. De acordo com o FNDE, a obra está em 73% de execução e tem previsão para ser inaugurada no fim do ano, embora o edital tenha sido publicado também em julho de 2014.

Ali, a dona de casa Gisele Henrique de Oliveira, de 33 anos, já cansou de esperar por uma vaga para o sobrinho Enzo Henrique, de 3 anos. Por causa do problema, o menino viaja periodicamente para o Guarujá, onde mora a mãe, quando a tia não pode ficar com ele.

Municípios alegam repasse com atraso

O presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Aléssio Costa Lima, atribuiu o atraso nas obras à maior demora do FNDE em fazer repasses a municípios, trocas constantes de gestores e à falta de apoio técnico.

Segundo ele, o FNDE tem feito repasses mensais - antes os fazia logo depois que o município solicitava -, o que causa atraso de pagamento às construtoras e, consequentemente, paralisações. "Se uma medição (porcentual de execução de uma obra) for colocada um dia depois de o FNDE ter feito o repasse mensal, esse só acontece no mês seguinte. Assim, uma empresa pode ficar até dois meses sem receber. Se for uma obra menor, como a de uma quadra, o projeto trava", explicou.

Ele destacou também que, embora em geral a responsabilidade das obras seja dos municípios, que contratam as construtoras, houve uma tentativa do FNDE de acelerar a criação de creches no País por meio de uma "metodologia inovadora", em que se ergueria os equipamentos em um modelo padronizado de PVC e concreto.

"O FNDE fez uma licitação centralizada e só quatro empresas venceram. Com a grande demanda, elas não deram conta e as obras começaram a ser abandonadas", diz Lima. Criou-se um grande problema, porque outras empresas não tinham conhecimento dessa metodologia para dar continuidade às construções", ressaltou. De 3,6 mil creches previstas pelo modelo, só 80 ficaram prontas.

Ele também pediu mais apoio de equipes técnicas aos municípios. "Muitos enfrentam dificuldade no manuseio desses sistemas de obras. Às vezes só com uma orientação melhor já faria com que essas cidades vencessem situações de lentidão e retomassem alguma obra paralisada. É fundamental que o FNDE apoie a formação desses gestores."
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação culpa burocracia e construtoras

O diretor de gestão articulada e projetos educacionais do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Leandro Damy, atribui a culpa das paralisações a problemas "burocráticos" e às construtoras que não conseguem executar as obras previstas. "Pela situação de crise, elas (construtoras) se lançam em várias licitações e, muitas vezes, ganham em muitos lugares. Mas não conseguem manter tantas equipes", diz.

Ele afirmou que a prioridade é retomar as obras inacabadas, que já consumiram recursos públicos. "Estamos tentando encontrar uma solução jurídica e pactuar novamente com os municípios", afirmou Sobre as creches de metodologia inovadora, o diretor relatou que, de 3,6 mil obras pactuadas à época, cerca de 3 mil já tiveram o contrato reformulado para uma metodologia convencional

O secretário de fiscalização de infraestrutura urbana do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Martinello Lima, disse ao Estado que o órgão já tem uma auditoria que acompanha as obras de creches do Proinfância, mas de maneira amostral. Já foram feitos três trabalhos, em 2013, 2014 e no fim de 2016 - atualizado neste ano. Um dos problemas identificados foi a construção de parte das creches por um pequeno grupo. "Tinha empresa pegando obras até em outro Estado. Não tiveram capacidade."

Já o secretário de controle externo da Educação do TCU, Ismar Barboza Cruz, destacou que as auditorias apontaram melhorias. "Às vezes, o sistema aponta que as obras estão em um estágio e, quando visitamos, estão em outro."

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