Exclusão social alavanca consumo de drogas, como na avenida Cruz Cabugá, em Santo Amaro
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Folha de Pernambuco
A política sobre drogas não é um tema de respostas ligeiras. Desafia autoridades no mundo e gera debates acalorados. Mas parece ser consenso que, para avançar, precisa de dois entes de mãos dadas: o controle e a assistência. Sem a primeira, os entorpecentes continuarão chegando às mãos de adultos e crianças. Sem a segunda, qualquer ação será contraproducente, a exemplo das cenas de guerra vistas, recentemente, na cracolândia de São Paulo. Sem êxito, o combate policial acabou piorando o problema e levando usuários a ocupar áreas descentralizadas.
Um estudo encomendado pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revela que, no Brasil, 370 mil pessoas usam crack regularmente nas capitais, das quais 80% são homens, negros, de baixa escolaridade e renda, com média de 30 anos. Também foi indicada a relação entre exclusão social e uso de crack como fundamental para desenhar políticas públicas. O trabalho, porém, é árduo e lento, de formiguinha.
No Recife, pessoas em situação de vulnerabilidade são identificadas, recebem apoio, mas não são obrigadas à internação, como se cogitou fazer na capital paulista. A Secretaria de Desenvolvimento Social, Juventude, Política sobre Drogas e Direitos Humanos da Prefeitura (PCR) dispõe do Sistema Mais Recife de Políticas sobre Drogas, que faz ações semanais em locais como Ponte do Limoeiro, praça Maciel Pinheiro e outros indicados pela população.
Psicólogos e assistentes sociais fazem intervenções e encaminhamentos para as redes de saúde e serviço social, a depender da necessidade e vontade manifestada pelo usuário. Conforme a pasta, também são feitos atendimentos, por demanda espontânea, no prédio da PCR, diariamente, no Compaz do Cordeiro, toda quinta, e no Compaz Alto Santa Terezinha, nas sextas. A gestão municipal ainda disponibiliza aos usuários e ex-usuários de drogas o acesso a serviços profissionalizantes e de elevação de escolaridade, o que já contemplou mais de cem pessoas só neste ano.
Já a Polícia Militar (PM) diz que tem ciência dos pontos mapeados pela reportagem, mas expõe a complexidade das abordagens. “Se há um local em que a população indica que usuários de drogas estão praticando roubos, nosso papel é averiguar, mas temos que adotar providências para provar aquilo. Só dizer não é suficiente. Recolhemos o material encontrado com essas pessoas, mas há diferença entre ser usuário e traficar [esse último, um crime]”, explica o tenente-coronel Silvestre Dantas, comandante do 16º Batalhão da PM, responsável pelo policiamento na maior parte do Centro.
“Todos os dias apreendemos cachimbos, drogas e, principalmente, armas brancas. De janeiro a março, foram recolhidas 60 facas com pessoas na rua. Nos três meses seguintes, foram 459. É uma forma de prevenção a crimes cometidos por essas pessoas. Nossa parte temos feito”, assegura.
Vício que destrói
Robson (nome fictício) tinha 14 anos quando o crack entrou na vida dele. Desde então, já foram 22 anos vendo a droga manifestar-se como uma praga que afeta também os de mesmo sangue. Dois parentes do mecânico já foram assassinados.
A irmã e o genro também são viciados. Mesmo assim, faltam forças para sair dessa realidade. “Ninguém se preocupou muito e fui ficando. Tudo o que eu ganho é para comprar a pedra. Mas acho que não uso como antes”, devaneia Robson, em palavras que alternam-se entre centelhas de força de vontade, lamentos e ansiedade para o próximo “tiro”, como usuários chamam a hora do fumo.
A expectativa é tanta que na caminhada de meia hora até onde compra o material ilícito, diz ele, foi preciso parar quatro vezes para defecar em áreas desertas da avenida Agamenon Magalhães, em Santo Amaro. O local foi o quinto ponto flagrado pela reportagem. “A droga deixa assim, ansioso, tudo desordenado dentro do corpo”, justifica Robson.
Enquanto manuseia o cachimbo, feito com um joelho de cano, ri quando perguntado se o efeito alucinógeno dura, ao menos, dois minutos. “Quem dera fosse isso. Na primeira tragada, acaba tudo. Depois, é quando dá vontade de roubar o que a gente vê pela frente para comprar mais. Já fui duas vezes para a cadeia”, confessa.
Já sob efeito do crack, Robson tem o semblante mudado. Os olhos miram o nada, o corpo move-se lentamente. Mas ele ainda consegue responder se tem visto mais dependentes de drogas do que há décadas atrás, quando começou. “Tem até médico parando carro aqui para comprar. A pressão é grande. O pessoal quer extravasar e não sai mais disso.”