Entre a assistência e a repressão

Antônio Assis
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Exclusão social alavanca consumo de drogas, como na avenida Cruz Cabugá, em Santo Amaro
Foto: Divulgação

Folha de Pernambuco

A política sobre drogas não é um tema de respostas ligeiras. Desafia autoridades no mundo e gera debates acalorados. Mas parece ser consenso que, para avançar, precisa de dois entes de mãos dadas: o controle e a assis­­tência. Sem a primeira, os entor­­pecentes continuarão chegando às mãos de adultos e crianças. Sem a segunda, qualquer ação se­­rá contraproducente, a exemplo das cenas de guerra vistas, recentemente, na cracolândia de São Paulo. Sem êxito, o combate policial acabou piorando o problema e levando usuários a ocupar áreas descentralizadas.

Um estudo encomendado pe­­la Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revela que, no Brasil, 370 mil pessoas usam crack regularmente nas capitais, das quais 80% são homens, negros, de baixa escolaridade e renda, com média de 30 anos. Também foi indicada a relação entre exclusão social e uso de crack como fundamental para desenhar políticas públicas. O trabalho, porém, é árduo e lento, de formiguinha.

No Recife, pessoas em situação de vulnerabilidade são identifica­­das, recebem apoio, mas não são obrigadas à internação, como se cogitou fazer na capital paulista. A Secretaria de Desenvolvimento Social, Juventude, Política sobre Drogas e Direitos Humanos da Prefeitura (PCR) dispõe do Sistema Mais Recife de Políticas sobre Drogas, que faz ações semanais em locais como Ponte do Limoeiro, praça Maciel Pinheiro e outros indicados pela população.

Psicólogos e assistentes sociais fazem interven­­ções e encaminhamentos para as redes de saúde e serviço social, a depender da necessidade e vontade manifestada pelo usuário. Conforme a pasta, também são feitos atendimentos, por demanda espontânea, no prédio da PCR, diariamente, no Compaz do Cordeiro, toda quinta, e no Compaz Alto Santa Terezinha, nas sextas. A gestão muni­ci­pal ainda disponibiliza aos usuários e ex-usuários de drogas o aces­­so a serviços profissionalizan­­tes e de elevação de escolaridade, o que já contemplou mais de cem pessoas só neste ano.

Já a Polícia Militar (PM) diz que tem ciência dos pontos mapeados pe­­la reportagem, mas expõe a complexidade das abordagens. “Se há um local em que a popula­­ção indica que usuários de drogas estão praticando roubos, nosso pa­­pel é averiguar, mas temos que adotar providências para provar aquilo. Só dizer não é suficiente. Recolhemos o material encontra­­do com essas pessoas, mas há diferença entre ser usuário e trafi­­car [esse último, um crime]”, expli­­ca o tenente-coronel Silvestre Dantas, comandante do 16º Bata­­lhão da PM, responsável pelo poli­­ciamento na maior parte do Centro.

“Todos os dias apreendemos cachimbos, drogas e, principalmente, armas brancas. De janeiro a março, foram recolhidas 60 facas com pessoas na rua. Nos três me­­ses seguintes, foram 459. É uma forma de prevenção a crimes cometidos por essas pessoas. Nossa parte temos feito”, assegura.

Vício que destrói
Robson (nome fictício) tinha 14 anos quando o crack entrou na vida dele. Desde então, já foram 22 anos vendo a droga manifestar-se como uma praga que afeta tam­­bém os de mesmo sangue. Dois parentes do mecânico já foram assassinados.

A irmã e o genro também são viciados. Mesmo assim, faltam forças para sair dessa realidade. “Ninguém se preocu­­pou muito e fui ficando. Tudo o que eu ganho é para comprar a pedra. Mas acho que não uso como antes”, devaneia Robson, em pala­­vras que alternam-se entre cente­­lhas de força de vontade, lamen­­tos e ansiedade para o próximo “tiro”, como usuários chamam a hora do fumo.

A expectativa é tanta que na cami­­­nhada de meia hora até onde compra o material ilícito, diz ele, foi preciso parar quatro vezes pa­­ra defecar em áreas desertas da avenida Agamenon Magalhães, em Santo Amaro. O local foi o quinto ponto flagrado pela repor­­tagem. “A droga deixa assim, ansioso, tudo desordenado dentro do corpo”, justifica Robson.

Enquanto manuseia o cachimbo, feito com um joelho de cano, ri quando perguntado se o efeito alucinógeno dura, ao menos, dois minutos. “Quem dera fosse isso. Na primeira traga­­da, acaba tudo. Depois, é quando dá vontade de roubar o que a gen­­te vê pela frente para comprar mais. Já fui duas vezes para a cadeia”, confessa.

Já sob efeito do crack, Robson tem o semblante mudado. Os olhos miram o nada, o corpo mo­­­ve-se lentamente. Mas ele ainda consegue responder se tem vis­­to mais dependentes de drogas do que há décadas atrás, quando começou. “Tem até médico parando carro aqui para comprar. A pres­­são é grande. O pessoal quer extravasar e não sai mais disso.”

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