Paranoia e caldo de galinha

Antônio Assis
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Hélio Schwartsman 
Folha de São Paulo

Há assuntos com os quais não se pode brincar. Comida é um deles. Doenças e a segurança dos filhos também entram na lista. Só insinuar que aquilo que ingerimos está contaminado, que existe uma nova moléstia se espalhando ou que há pedófilos à solta na vizinhança já é meio caminho para o surgimento de rumores que se espalham de forma viral e, por vezes, evoluem para episódios de ilusão coletiva e até histeria de massas.

Foi essa faceta da psicologia social que a Polícia Federal ignorou ao divulgar sua investigação sobre fraudes envolvendo frigoríficos. Não parece haver muita dúvida de que os policiais responsáveis pela Operação Carne Fraca identificaram mais um esquema de corrupção de fiscais incrustado, desta vez, no Ministério da Agricultura. Aliás, dificilmente perderá dinheiro quem apostar que encontraremos sistemas mais ou menos estruturados de propina em qualquer órgão público em que procuremos por isso.

O problema é que, ao anunciar suas suspeitas, a PF levantou dúvidas sobre a segurança alimentar da carne processada no país. Esse nem parecia ser o foco principal das investigações, que, de resto, continham erros primários, mas rapidamente se tornou o grande assunto, originando uma torrente de desinformações que tomou conta das redes sociais. A imprensa demorou mais do que poderia e deveria para redimensionar o problema, que é real, e colocá-lo em suas evidas proporções.

A lição a tirar é a de que, se investigadores e jornalistas devem ser sempre rigorosos na checagem de informações, precisam levar isso ao limite da obsessão quando o objeto tratado se caracteriza como tema-tabu. Aqui, não apenas é maior a chance de estarmos diante de uma fabulação como também tendem a ficar piores os estragos provocados por sua divulgação. Paranoia é como caldo de galinha: em doses módicas não faz mal a ninguém.

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