Precariedade na Barros Lima reflete o caos nas maternidades de Pernambuco

Antônio Assis
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Usuários na Maternidade Barros Lima levam seus próprios lençóis e ventiladores

Foto e texto
Marcos Toledo

A data deste domingo, 28 de maio, é lembrada como o Dia de Combate à Mortalidade Materna. No Recife, a realidade enfrentada por mulheres que dependem do sistema público de saúde para ter seus filhos é bastante preocupante e não motivo para comemorar. Na véspera da data dedicada a promover debates públicos sobre o problema das mortes maternas e os direitos das mulheres, a Folha de Pernambucorecebeu uma denúncia sobre o grave estado de precariedade de uma das principais unidades realizadoras de partos no Estado: a Maternidade e Policlínica Professor Barros Lima, localizada no bairro de Casa Amarela, na Zona Norte da Capital.

Neste sábado (27), a reportagem foi conferir de perto a situação na Barros Lima e constatou, por meio de relatos de mulheres que receberam alta da maternidade, as dificuldades enfrentadas pela população que faz uso do serviço.

Todas as mulheres que deram depoimentos preferiram não se identificar, portanto, estão identificadas por nomes fictícios.

De acordo com Conceição, que deu à luz uma menina, na madrugada de quinta-feira (25), durante os dois dias em que esteve na Barros Lima, presenciou mães e recém-nascidos dormindo no chão. "Está uma situação precária. Não tem água morna. As crianças estão tomando banho de água fria. Não tem lençol de cama. A gente está trazendo lençol de casa. Até colchão o povo está trazendo. Cama, colchão", disse. "Estão dando alta às mães antes (do prazo de 48 horas, em caso de parto normal), porque não tem vaga, não tem cama, para tirar as mães e colocar as outras. Os chuveiros estão quebrados, não tem ar-condicionado."

Já Fátima, que teve um menino na madrugada de sexta-feira (26), presenciou uma jovem dando à luz no banco do jardim. A amiga de Fátima, que a acompanhou, contou que testemunhou outra mulher realizando o parto no chão. "Eu ia pegar meu celular para filmar, mas a mulher (funcionária) me barrou. Algumas têm parto para ser cesárea e eles forçam para ter normal", afirmou.

Também no momento em que estava indo para casa, Graça relatou que na quinta-feira, antes da entrada da triagem, outra jovem "se acocorou e o bebê dela caiu ali". "Aí o pessoal pegou o bebê. Só Jesus na misericórdia", completou.

"O ruim é porque não tem lençol, não tem absorvente, não tem fralda descartável", informou Fernanda. "Água quente não tem, para dar banho no bebê. Muita coisa faltando. Está muito lotado. Muitas tiveram bebê e tiveram que ficar sentadas. Eu consegui a cama. Não tinha luz no banheiro."

Mesmo diante desse quadro, algumas mães, a exemplo de Marlize, que deu à luz um menino na segunda-feira (22), elogiaram o esforço dos servidores para atender à demanda em meio ao caos. "O atendimento é nota 10, mas, em compensação, a estrutura do prédio, do hospital, não nos garante higiene nenhuma. No colchão não tem lençol. A sala de pré-parto sem bata, sem lençol, sem higiene para nada, sem papel para nossa higiene. Isso atrapalha bastante. Lá embaixo me atenderam muito bem e me mandaram para cima. Lá em cima, com a roupa que eu vim da rua, cheia de possibilidades de bactérias, eu tive meu bebê. O atendimento é nota 10. Graças a Deus não tenho o que falar do atendimento. Mas a estrutura é que não nos proporciona nada de segurança."

Marlize ainda contou que na sexta-feira esteve na sala de pré-parto onde não havia mais leitos disponíveis. "As grávidas estavam parindo e ficando lá mesmo, junto de outras mulheres que estavam sangrando, prontas para ter o bebê, botando colchão no chão. Minha amiga (acompanhante) testemunhou uma mulher que trouxe um colchão de casa e patiu em cima do colchão de casa. O ar-condicionado não pega, está fazendo calor. Peguei uma alergia. Estava cheio de poeira. O atendimento é nota 10, mas, em compensação, a estrutura para a gente ficar aqui é horrível", reforçou.

Modelo defasado
Para a representante de controle social Júlia Morim, coordenadora do Comitê Estadual de Estudos de Mortalidade Materna de Pernambuco (Ceemmpe), esse quadro reflete um problema da assistência obstetrícia como um todo no Estado. "Há vários anos a gente faz blitze surpresas. Não vem mudando. A rede de assistência municipal da Região Metropolitana do Recife e do Interior não tem maternidade; nos fins de semana não têm médicos. Todas as mulheres são encaminhadas para o Recife e Olinda", explicou.

Ainda de acordo com a coordenadora, o Ministério Público de Pernambuco está ciente da situação e trabalha em prol de sugerir medidas para tentar solucionar o problema como, por exemplo, a criação de um consórcio entre os municípios que permita a divisão de custos. "Mas, para isso, precisa vontade política", considerou. "Isso precisa ser resolvido. As mulheres e os bebês precisam ser assistidos. E o Estado precisa assumir esse papel para articular os municípios."

Além da questão estrutural, segundo Júlia, o próprio modelo de assistência obstetrícia deve ser revisto. "Essa peregrinação da mulher já é a primeira violência que ela sofre. E é um modelo centrado nos médicos, cheio de intervenções desnecessárias na mulher. Muitas vezes a morte materna acontece nesse primeiro mês pós-parto", salientou.

Resposta
Sobre a situação específica da Barros Lima, a diretoria da maternidade respondeu, por nota, via assessoria da Secretaria de Saúde, que "tem sua demanda aumentada em mais 40% nos finais de semana em decorrência de pacientes de outros municípios que vêm para a unidade". "A alta das pacientes é dada por meio de protocolo e avaliação do obstetra e do pediatra de plantão. Em situação de superlotação, é solicitado que as pacientes de alta desocupem os leitos e aguardem em cadeiras."

A diretoria da maternidade também afirmou que nao há nenhum registro de parto realizado em jardim ou banco. "Sobre os chuveiros, o setor de engenharia está resolvendo a situação. Os chuveiros elétricos estão queimando com muita frequência devido à sobrecarga. Os bebês estão tomando banho com água morna."
Sobre o parto normal, a maternidade disse que o mesmo "é estimulado por ser a melhor opção para a mãe e o bebê, porém", ainda assim, "as indicações de cesárea são respeitadas".

A nota ainda explicou que não há falta de água para beber podendo haver intervalo para substituiçao do garrafão. "No momento não há superlotação. A situação já encontra-se normalizada", encerrou.

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